Pulei fora dos meus costumeiros pensamentos diversos ao perceber a aproximação de uma Senhora, que estava retornando da sala de exames um pouco cambaleante e até meio sonolenta. Seu marido estava sentado quase ao meu lado, lendo jornal e muito concentrado nas notícias.
Quando a Senhora chegou até ele, chegou alegre com o resultado que obtivera dos seus exames e entusiasmada tentou contar para seu marido o que o médico havia dito. Tentou falar da sua experiência e da satisfação de ter tido um resultado bom.
E eu ali, obrigada a escutar e participar silenciosamente, mesmo sem ter nada a ver com o assunto, fui esquentando e na verdade acabei ficando indignada ao ver a maneira dele reagir, a sua apatia, o seu desamor.
Ele, o Senhor Marido, lendo jornal estava e lendo jornal continuou... Ela falando do sucesso do seu exame, querendo a sua participação, e ele apenas balbuciando um lacônico e esparso “aham... aham...” sem desgrudar o olho das manchetes.
Ela falava pro vazio, pro nada, me pareceu uma mulher que depois de anos de obediência e carinho, ainda não havia conseguido conquistar o olhar do marido sobre seus assuntos. Falava em busca de parceria nas emoções vividas, falava em busca de apoio, falava contando o que não chegava ao coração dele.
Nem um olhar dele pra ela.
Nada. O jornal era mais interessante.
Me deu uma peninhaaa......um aperto na alma...que vida essa...
Claro que o fato em si me rendeu “pano pra mangas”, rapidamente tive que pegar a caneta e rabiscar minha indignação no verso da própria requisição de exames, pensamentos vinham aos borbotões, atrolhando as emoções atrapalhadas como folhas velhas em dia de ventania....
A meu ver, uma das principais atividades da vida é a comunicação. Comunicação que se faz de muitas maneiras, olho no olho, em gestos, em palavras, em livros, numa piscadinha, apontando o dedo, meneando a cabeça, enfim, pra mim a comunicação é a partilha da expressão. É a chave de tudo.
Tá certo que casais há muito tempo casados nem sempre tem na comunicação o seu forte, entretanto dói ver uma pessoa dependendo emocionalmente de outra que nem lhe dá bola. Que nem olha. Talvez nem escute.
É a indiferença instalada, com todas as ligações possíveis, planta baixa com entupimento nas tubulações e corrosão na confiança.
Acordei das observações com a chamada do meu nome e entrei para fazer meus exames, mas não sem antes dar uma olhadinha no casal que se retirava.
Ela na frente com um passo incerto, ele atrás, largando o jornal meio de má vontade.
Vidas que cruzam silenciosamente com a minha, deixando um grande ensinamento.
Ensinamento de como não se faz, de como não se vive.
Assim é que se morre em vida.